Galões de agrotóxicos percorrem mais de 300 km pelo rio Tocantins e são encontrados no Pará

Após queda de ponte entre Maranhão e Tocantins, bombonas com substâncias tóxicas viajaram por trechos do rio sem qualquer contenção; apenas 29 dos 1.300 galões foram recolhidos e moradores cobram respostas sobre os riscos ambientais.
Foto: Divulgação/Prefeitura de Itupiranga


Mais de quatro meses após o desabamento da ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira, que ligava os estados do Maranhão e Tocantins, o impacto ambiental da tragédia segue gerando preocupação. Galões de agrotóxicos que caíram no rio Tocantins com a queda de um caminhão foram encontrados a mais de 300 quilômetros de distância, no estado do Pará, evidenciando a ausência de contenção e o risco de contaminação de uma das principais fontes de água da região Norte.

O acidente, ocorrido em 22 de dezembro de 2024, matou 14 pessoas e deixou três desaparecidas. Três caminhões que atravessavam a ponte caíram no rio. Um deles transportava mais de 25 mil litros de pesticidas altamente tóxicos, como 2,4-D, picloram e acetamiprido — substâncias que oferecem riscos à saúde humana e ao ecossistema aquático.

De acordo com documento do Ibama, bombonas plásticas contendo os agrotóxicos foram encontradas em janeiro nos municípios de Nova Ipixuna e Itupiranga, no Pará, quase três semanas após o acidente. Moradores e especialistas temem que centenas de outros galões tenham se espalhado pelo rio sem controle ou monitoramento eficiente.

Apesar do risco ambiental, os trabalhos de busca pelos recipientes submersos foram suspensos em janeiro, quando o nível do rio Tocantins subiu devido ao aumento das chuvas e à abertura das comportas da Usina Hidrelétrica Estreito. Até o momento, apenas 29 dos aproximadamente 1.300 galões caídos foram retirados do leito do rio. Segundo o Ibama, as buscas só devem ser retomadas após o fim do período chuvoso, e estima-se que a operação completa levaria cerca de 145 dias — sem previsão de início.

O professor de toxicologia da Unifesp, Fábio Kummrow, criticou a ausência de barreiras de contenção logo após o acidente. “Seria essencial instalar contenções e ampliar o monitoramento em todo o curso do rio. Deixar os galões à deriva por quilômetros é uma falha grave”, afirmou. Ele alerta que os recipientes, mesmo que resistentes, podem ter sofrido danos com o impacto e o tempo submerso, liberando pequenas quantidades de substâncias tóxicas na água.

O Dnit, responsável pela ponte, alegou impossibilidade técnica para instalar barreiras, citando a profundidade do rio, que pode ultrapassar 40 metros em alguns pontos, além da forte correnteza. A tarefa de monitorar a qualidade da água foi repassada ao órgão pelo Ibama em fevereiro, com base no princípio do poluidor-pagador.

Desde então, o monitoramento é feito em apenas três pontos: antes, durante e depois do local do acidente, com três amostragens mensais. O Dnit afirma que os testes indicam que a presença de agrotóxicos está abaixo dos limites de quantificação. No entanto, moradores relatam falta de transparência nas análises. “Eles não divulgam nada. Parece que já aceitaram que os galões vão ficar no fundo do rio”, protesta Conceição Amorim, coordenadora do Centro de Promoção da Cidadania de Imperatriz (MA).

O único teste divulgado até hoje que apontou contaminação foi feito em 24 de dezembro, dois dias após o acidente, em Porto Franco (MA). A amostra detectou o agrotóxico 2,4-D na água, substância usada na fabricação do “agente laranja”, armamento químico empregado na Guerra do Vietnã. O Ministério da Saúde considera essa substância possivelmente cancerígena.

Especialistas alertam que mesmo traços de pesticidas podem afetar a saúde de longo prazo. O picloram contamina cursos d’água e pode afetar a vida aquática, enquanto o acetamiprido é altamente tóxico para peixes e outros organismos.

O rio Tocantins tem papel fundamental para as comunidades ribeirinhas e cidades que dependem dele para consumo humano, agricultura, pesca e lazer. Com mais de 2.400 km de extensão, ele corta os estados de Goiás, Tocantins, Maranhão e Pará, desaguando na Baía do Marajó.

Diante da incerteza sobre a quantidade de galões ainda no leito do rio e a ausência de dados atualizados, organizações da sociedade civil ajuizaram ao menos cinco ações cobrando explicações, medidas de reparação e monitoramento permanente da qualidade da água.

Enquanto isso, moradores e ambientalistas convivem com o medo de um desastre silencioso, que pode levar anos para ser completamente compreendido — e ainda mais tempo para ser resolvido.

Por: Redação | Portal Imediato.

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