O Drama Silencioso do Gangstalking: Quando a Perseguição Invisível Torna-se Realidade para Suas Vítimas

Pessoas com transtorno se dizem vítimas de assédio e arma psicotrônica.
Foto: Joédson Alves

Um Grito de Socorro Em 2012, a soteropolitana R.S.B* recorreu à internet para compartilhar o que descrevia como um sofrimento indescritível. “Estou em prantos. Sinto tanta dor, inclusive em minhas partes íntimas, como se alguém as estivesse queimando”, escreveu. Ela acreditava ser alvo de uma perseguição implacável, comandada por traficantes de seu bairro, que usavam armas invisíveis para causar dor e sofrimento. Não demorou para que outros internautas se identificassem com sua aflição, unindo-se em torno de uma crença perturbadora: o gangstalking.

Gangstalking: O Pesadelo Invisível O gangstalking é um fenômeno em que as vítimas acreditam estar sob constante vigilância e perseguição por grupos organizados. Diferente do crime de perseguição (ou stalking), reconhecido pela lei brasileira, o gangstalking é frequentemente associado a delírios e alucinações. As pessoas que se consideram “indivíduos-alvo” (ou TIs, do inglês target individuals) acreditam estar sob o ataque de tecnologias avançadas, como “armas psicotrônicas” capazes de ler mentes e controlar comportamentos.

Impacto Psicológico e Social O sofrimento relatado por indivíduos que acreditam ser vítimas de gangstalking não é apenas emocional, mas também social. Muitos desses indivíduos acabam se isolando de amigos e familiares, convencidos de que todos à sua volta fazem parte da conspiração contra eles. Esse isolamento pode levar a quadros graves de depressão, ansiedade, e até mesmo ao suicídio. Estudos indicam que a sensação de estar constantemente vigiado pode causar estresse crônico, que, por sua vez, afeta a saúde física e mental das vítimas.

A Dor que Ecoa na Internet Com o advento da internet, esses relatos se propagam rapidamente, criando uma espécie de “comunidade de sofrimento”. Fóruns online e redes sociais se tornaram espaços onde essas pessoas compartilham suas experiências e reforçam suas crenças. Esse fenômeno, conhecido como “espiral de autoafirmação”, é amplificado pelo algoritmo das redes sociais, que tende a mostrar conteúdos semelhantes ao que o usuário já consumiu, alimentando ainda mais suas convicções.

A Busca por Reconhecimento Determinada a dar visibilidade à sua causa, R.S.B. participou de eventos e manifestações, buscando apoio para o que acreditava ser uma perseguição organizada. Em uma viagem a Brasília, ela chegou a abordar o então presidente do Senado, Renan Calheiros, clamando por ajuda contra o que descreveu como “tortura pela neurociência”. Apesar de suas tentativas, a luta por reconhecimento permanece em grande parte ignorada pelas autoridades.

Associações e o Desafio da Realidade No Brasil, existem ao menos duas entidades dedicadas a apoiar vítimas de gangstalking, uma no Rio de Janeiro e outra em Recife. Apesar da crença fervorosa dos membros dessas associações na existência de tecnologias de controle mental, especialistas alertam para os perigos de tais delírios, que podem afastar as vítimas do tratamento psiquiátrico necessário.

Leis Discrição não é o que move o gaúcho W.A.D.P*. Em 12 de junho de 2023, ele protocolou, na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), um pedido de informações para saber se havia algum projeto de lei propondo a proteção dos cidadãos “contra ataques por armas laser” tramitando na Casa. “Se não houver, peço que a iniciativa popular das vítimas paulistanas que estão sendo assassinadas com o uso dessas armas seja apresentada a todos os deputados estaduais [para] ver se algum deles a coloca em seu nome”. W.A.D.P cita, como inspiração, iniciativas semelhantes da associação de Nova Friburgo.

W.A.D.P., morador de Porto Alegre, fez pedidos semelhantes a várias outras casas legislativas do país, incluindo a Câmara Municipal de Itaporanga, no interior paulista, onde sugeriu a aprovação de um decreto municipal para proteger os moradores de “abusos tecnológicos”. Ele também propôs ao Senado, em 2022, a aprovação de uma lei para definir e punir o crime de abuso tecnológico por meios psicotrônicos. Em resposta à sua sugestão na Alesp, um servidor recomendou que W.A.D.P. enviasse sua proposta a um deputado de sua escolha.

Referte a imagemDocumento enviado por uma associação à Câmara de João Pessoa, junto com pedido de informações sobre ações para proteger cidadãos de “métodos de tortura psicoeletrônica” – Arquivo

Relatos de Especialistas Psicólogos e psiquiatras apontam que o fenômeno do gangstalking se assemelha a manifestações de transtornos delirantes, onde a percepção distorcida da realidade leva o indivíduo a acreditar em conspirações elaboradas contra ele.

“O indivíduo acredita com toda a convicção que é vítima de um complô e que está sendo perseguido por pessoas conhecidas ou desconhecidas”, explica o professor Paulo Dalgalarrondo, da Unicamp, especialista em transtornos mentais.

Alexandre Loch, professor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP – Alexandre Loch/Arquivo Pessoal

O professor Alexandre Loch, do Instituto de Psiquiatria da USP, destaca a organização das pessoas que acreditam em gangstalking como um fenômeno novo e complexo. Ele alerta que elementos da cultura contemporânea, como a polarização política, podem desencadear ou agravar sintomas psicóticos em pessoas vulneráveis.

A psicoterapeuta e assistente social norte-americana Liz Johnston, professora da Universidade Politécnica da Califórnia, estuda o gangstalking e enfatiza a importância de acolher as pessoas que sofrem, em vez de rotulá-las. Ela sugere que o estudo do gangstalking pode iluminar questões mais amplas sobre as causas da paranoia, envolvendo disciplinas como ciências sociais e direito.

Medidas Preventivas Para familiares e amigos, o desafio é tentar ajudar essas pessoas sem reforçar suas crenças delirantes. A comunicação aberta e o incentivo para buscar ajuda profissional são fundamentais. Além disso, é importante que as plataformas de redes sociais e fóruns online promovam informações corretas e apoio para quem manifesta esse tipo de sofrimento, evitando a propagação de conteúdo que possa agravar a situação.

Psicoterapeuta e assistente social Liz Johnston, professora da Universidade Politécnica da Califórnia – Gina N. Cinardo/Divulgação

Uma Realidade Paralela O gangstalking ilustra como teorias da conspiração e delírios persecutórios podem se espalhar, especialmente com o advento da internet. Casos como o de R.S.B. mostram o impacto devastador que essas crenças podem ter, levando as pessoas a um isolamento cada vez maior e, em muitos casos, ao desespero. Enquanto essas crenças continuam a ganhar força, a necessidade de um diálogo aberto e compassivo sobre saúde mental torna-se cada vez mais urgente.

É importante procurar ajuda de um profissional capacitado para lidar com situações difíceis a fim de manter a saúde mental. O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece um serviço de escuta acolhedora e apoio emocional, disponível no telefone 188. Há também o Mapa da Saúde Mental, ferramenta que permite a busca de serviços públicos e gratuitos por localidade.

*Para preservar a identidade de algumas das pessoas citadas nesta matéria, a Agência Brasil/ Portal Imediato optou por não informar seus nomes. Pelo mesmo motivo, os nomes das associações mencionadas também foram omitidos, e citações extraídas de publicações pessoais na internet foram ligeiramente modificadas, preservando o teor das mensagens.

Edição: Juliana Andrade/ Warley Costa.

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