O empresário William Pereira Rogatto fez um depoimento impactante nesta terça-feira (8) à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado, admitindo sua participação em um esquema global de manipulação de jogos e apostas esportivas, que envolve clubes de futebol, árbitros, federações e até políticos. Ele se declarou “réu confesso” e revelou que já rebaixou 42 times de futebol no Brasil e em outros países, incluindo a Colômbia. Rogatto afirmou que sua atuação se estendeu por todas as federações do Brasil e em nove países, destacando que o esquema de manipulação é um dos maiores, perdendo apenas para a política e o tráfico de drogas, em termos de valores.
“O sistema de manipulação de jogos só perde para a política e o tráfico de drogas, em termos de valores”, declarou, referindo-se à dimensão do esquema. Durante a videoconferência com os senadores, o empresário se ofereceu para apresentar provas detalhadas, incluindo fotos, vídeos, gravações e negociações que envolvem a manipulação de partidas. “Tenho provas e vídeos. O sistema é muito mais complexo do que vocês imaginam”, disse ele.
Rogatto explicou que o esquema de manipulação já existe há mais de 40 anos e é sustentado por “brechas” no sistema do futebol. Ele afirmou que a “hipocrisia” está no fato de clubes de futebol serem patrocinados por casas de apostas, criando um “gatilho” para manipulações. “Quando uma bet patrocina o seu clube, automaticamente o jogador se transforma em aposta. O sistema é muito além disso”, completou, afirmando ter “operado em todos os estados do Brasil e no Distrito Federal”.
Sobre sua participação no esquema, Rogatto relatou que começou sua trajetória em 2009, aos 19 anos, após uma viagem a Las Vegas, onde teve a ideia de criar uma casa de apostas. Desde então, ele afirma que “não consegue parar” devido às altas apostas e ao “sistema que me dá brechas”. “Eu sempre rebaixei clube, e clube grande, viu? O Coruripe, de Alagoas, e um time muito forte do Maranhão eu rebaixei”, disse.
O empresário detalhou ainda a complexidade do seu modus operandi, mencionando a participação de árbitros e presidentes de clubes no esquema. “Eu pagava R$ 50 mil para um árbitro, que ganhava apenas R$ 7 mil por jogo”, revelou. “O gatilho do futebol está na máfia, que é a confederação, é a CBF, que tem recursos e não passa.” Rogatto afirmou também que jogadores envolvidos nas manipulações são pagos bem acima do que receberiam de seus clubes.
Quando indagado sobre o envolvimento de grandes clubes, como Palmeiras e São Paulo, Rogatto foi direto: “Os jogadores hoje, às vezes dois jogadores, desestruturam totalmente um jogo. Tem presidente que sabe e compactua com isso, tem presidente que eu engano, tem presidente que está ali para ganhar o dele”, explicou. “Todos os jogos que eu fiz no Palmeiras eu ganhei”, afirmou.
Em resposta ao senador Romário (PL-RJ), relator da CPI, que sugeriu uma delação premiada, Rogatto foi claro: “A delação premiada é interessante, mas não me garante proteção. O esquema é muito maior do que vocês pensam. Eu tenho provas, mas se eu mexer com os caras que estão acima de mim, vou cair. Eu sou grande até um ponto, mas tem gente muito mais perigosa que eu”.
Rogatto também fez duras críticas ao sistema do futebol, afirmando que “não roubou ninguém, não matou ninguém”, mas que “trabalhou em cima do sistema falho”, se considerando apenas uma “ferramenta” em um jogo muito maior. “Eu rebaixei 42 clubes no Brasil. Eu só posso ganhar dinheiro com eles caindo”, confessou. Ele revelou que, ao longo de sua trajetória, já faturou cerca de R$ 300 milhões com suas manipulações.
Árbitros e Políticos no Jogo Sujo
O depoimento de Rogatto também revelou que o esquema envolvia figuras de diversas esferas do futebol e da política. “Tem político, vereador, prefeito. O sistema é único e para entrar é preciso de pessoas. Todo mundo gosta de dinheiro. Eu sempre procurei entrar pelas secretarias de Esporte”, afirmou. O empresário não escondeu o envolvimento de árbitros de diversas confederações e até da Fifa no esquema. Ele detalhou que pagava até R$ 50 mil para árbitros, enquanto o valor usual pago por um jogo era de R$ 7 mil.
Manipulação no Santa Maria
No mesmo dia, a presidente da Sociedade Esportiva Santa Maria (DF), Dayana Nunes, também depôs na CPI, explicando o envolvimento de Rogatto no rebaixamento do clube no Candangão 2024. Dayana revelou que, após o marido sofrer um AVC, ela assumiu a presidência do clube e conheceu Rogatto, que lhe propôs a compra do time. Ele assumiria o comando do time em 2024, em troca de uma participação financeira no caso de uma possível classificação para a Copa do Brasil. Contudo, o que aconteceu foi o rebaixamento da equipe.
“Eu não tinha interesse em ganhar dinheiro, meu interesse era manter o Santa Maria”, disse Dayana, emocionada. “Meu time estava na primeira divisão, e depois que o William veio e rebaixou, ele caiu para R$ 300 mil”, lamentou. Ela contou que, na época, não percebeu malícia na atuação de Rogatto, já que o time começou a ter recursos e organização, mas começou a perceber que algo estava errado quando a equipe começou a perder constantemente. “Eu achava que ele estava do meu lado, ele foi um artista muito bom”, afirmou.
A Vida de Rogatto no Exterior
Rogatto também falou sobre seu estilo de vida atual, que inclui morar na Europa, e revelou que seu envolvimento no esquema de manipulação o levou a atuar em nove países. “Tenho nove países diferentes em apostas, eu pago caro para o atleta e também gosto de ganhar. Eu tenho uma vida cara, viver na Europa”, disse.
Com suas declarações, Rogatto forneceu mais uma visão sobre a magnitude e a complexidade do esquema de manipulação que ele ajudou a coordenar, apontando o envolvimento de diversas esferas do futebol, incluindo árbitros, clubes e políticos, e deixando claro que a corrupção dentro do sistema vai muito além do que se imagina.
Segurança e Proteção
Ao final, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) sugeriu a concessão de medidas de segurança para Rogatto, dada a gravidade de suas declarações. Rogatto, no entanto, se mostrou cético quanto à eficácia de qualquer proteção, considerando o tamanho do esquema e as ameaças que enfrenta de figuras poderosas dentro do futebol.
O depoimento de William Rogatto à CPI continua a reverberar como um marco na investigação sobre manipulação de resultados e apostas ilegais no futebol brasileiro.